sábado, 22 de setembro de 2012

Primavera com Tim Maia e Cecília Meireles


Primavera

Cecília Meireles

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1
", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.






Este vídeo saúda a primavera, que chega e enche nossos olhos de beleza e nos brinda com o timbre imortal do Tim Maia. Tim, uma voz que me encanta a cada vez que ouço. Espero que tenha esse efeito em vocês, também. Abraço.

domingo, 17 de junho de 2012


                           Legião, eterna... 

Na noite de 29 de maio, em torno de  6ooo pessoas cantaram juntas as músicas da extinta Banda Legião Urbana, num show Tributo ao inesquecível Renato Russo, transmitido ao vivo pela MTV. Wagner Moura foi escolhido para interpretar as canções da banda, “substituindo”  Renato em seu posto sagrado, e acompanhado  por Dado-Villalobos, Marcelo Bonfá e pelas vozes das milhares de pessoas que lotaram o Espaço das Américas, em São Paulo, na terça-feira, na primeira das duas noites do tributo.
O consagrado ator Wagner mostrou um lado cantor, muitas vezes sofrível, mas com muita emoção, de um fã do Renato, teve uma performance capaz de sacudir, não só o público presente, mas o Brasil todo, que assistiu o show ao vivo. Tornou-se impossível não voltar no tempo e cantar com eles as músicas, cujas letras toda uma geração (arrisco dizer que várias gerações) sabe de cor.
Surpreendeu-me a coragem do ator em assumir a responsabilidade de interpretar as canções do Renato, que com sua voz forte e inconfundível levou alegria e trouxe emoção, com letras que são verdadeiras joias, a multidões,  que embevecidas, não conseguem escutá-las sem cantarolar junto, mesmo vários anos depois. No entanto, a paixão que o ator colocou na interpretação, foi o diferencial, que fez com que um país todo cantasse junto com ele, mesmo com alguns “assassinatos” (opinião minha) às canções da Legião. Como acredito fortemente que não se consegue fazer nada ser bom, sem colocar paixão, ou fazendo “mais ou menos”, penso que se outro tivesse sido escolhido para essa missão, um cantor talvez, não tivesse tanto retorno do público.


 
Renato foi e será sempre o Renato porque tinha uma alma apaixonada, um poeta cujas letras reverenciavam a vida, as alegrias, as dores, a natureza, os sentimentos inerentes ao ser humano, e por isso conseguiu trazer a tona a emoção das pessoas e isso o tornou especial, num mundo tão frio, materialista e insensível. Renato colocava poesia no que escrevia,  da mesma forma que Cazuza, embora ambos fossem extremamente diferentes. Se pararmos para analisar, era um poeta-cantor e competente além da conta, em ambas as funções, além de um carisma arrebatador com seu público. Isso o tornou inesquecível.

            A letra de “Será”, por exemplo,  exige  que se releia e reflita acerca do que ele está pensando, bem diferente do”Ai se eu te pego”, entre outras que nem sei citar agora,que é hit da nossa juventude, hoje. Não se trata de uma crítica pura, mas de constatação sobre os sons de hoje.
Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação?
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Pra que esse nosso egoísmo
Não destrua nossos corações”
 Além disso, suas letras contestavam um sistema manipulador, concentrador de riquezas e privilégios a alguns, o que tornam suas letras atuais, até hoje.

Legião Urbana despertou muitas paixões, não somente nos adultos e jovens de sua época, e eu torço para que a juventude atual conheça mais essa banda que comparava a morte a uma Via-Láctea, símbolo do infinito, mas que com certeza, queria mostrar que infinita é a vida e a capacidade de encontrar alegria e prazer, até no inusitado.
A banda Legião Urbana acabou, mas com certeza, marcou e representou o retrato daquela juventude que ainda sabia sonhar. 

 

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quarta-feira, 23 de novembro de 2011

PROJETO DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA E AO BULLYING

                                      PROJETO DE PREVENÇÃO À VIOLÊNCIA E AO BULLYING
O Projeto de Prevenção à violência e ao Bullying foi desenvolvido nos meses de outubro e novembro de 2011 no Colégio Estadual Missões, situado em Santo Ângelo, RS, e se justifica frente aos desafios encontrados pelas instituições educativas no mundo contemporâneo: estudar o fenômeno bullying,  os personagens envolvidos, bem como ações preventivas que possam vir minorar esta violência na escola.
Além disso, esse trabalho monta-se de suma importância, pois visa buscar ações para o combate ao bullying, buscando formar uma cultura de paz no Colégio Missões.
O referido projeto foi criado e está sendo desenvolvido  pela Professora Débora Cattani Machado, orientadora escolar do turno da manhã, nas turmas 101, 102, 103 e 104 do Ensino Médio. Cabe salientar que conta com a participação da direção, vice-direção, supervisão, docentes que atuam no turno da manhã, funcionários e alunos.
Este post dá início à divulgação do projeto citado, em desenvolvimento, e que terá continuação com novos posts. O trabalho se iniciou com a projeção do filme: Bullying: Provocações sem limites, e a posterior reflexão acerca dessa obra.







A população vislumbra diariamente cenas de violência apresentadas pela mídia, em todos os aspectos e, às vezes as divide em capítulos diários, para que se possa acompanhar, sem perder nenhum detalhe. A violência se apresenta de forma crua ou subentendida na fala, nos atos ou olhares das pessoas, e como não poderia deixar de ser, essa violência acaba “respingando” na escola, pois a mesma está inserida no contexto da sociedade.
Hoje, está se propagando tanto na mídia quanto nas escolas, inclusive de forma indiscriminada, muitas vezes, para designar um fenômeno não tão novo assim, chamado Bullying. A língua portuguesa não possui uma palavra para nomear essa problemática que está inserida no contexto social.
O fenômeno bullying é tão antigo quanto a escola, mas até bem pouco tempo atrás , quase nenhuma atenção se dava a essa prática ou às suas conseqüências. O pesquisador Dan Olweus, da Noruega estudou e realizou uma pesquisa acerca desse assunto e conseguiu conceituar o bullying, diferenciando de outras formas de agressão.
Segundo FANTE (2005), o conceito de bullying é “um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, adotado por um ou mais alunos contra outro(s), causando dor, angústia e sofrimento”. Essa forma de violência, atinge, então, níveis globais e significa valentão, tirano ou tiranizar, amedrontar.
O bullying, então, trata-se de um conceito peculiar e bem definido, pois não se permite confundi-lo com outras formas de violência.  Ele apresenta características bem próprias como a repetição, o medo por parte da vítima, que geralmente se cala, além da  relação desigual de poder, causando traumas psíquicos ou físicos a essa, e podendo ocorrer em vários locais distintos, como no contexto familiar,nos locais de trabalho, nas forças armadas, prisões ou onde se estabelecerem quaisquer relações entre as pessoas.
O Bullying é um tipo de violência silenciosa que pode deixar marcas nas crianças e jovens que são vítimas, diariamente, desse tipo de agressão, como enfatiza Rolim:
O bullying é um tipo especial de violência que ocorre entre pares, sem motivação aparente e de forma repetitiva. Diz respeito não apenas às formas de violência física e às ameaças, mas também à humilhação e ao isolamento que promovem sofrimento psíquico. O fenômeno é universal e é muito comum nas escolas, embora possa ocorrer em outros espaços. Normalmente, não é percebido pelos professores e seus efeitos  podem ser devastadores. Sabe-se que autores e vítimas de bullying possuem chances muito maiores de condenações criminais quando adultos; o bullying está também muito ligado ao fracasso escolar e à evasão ( 2010   ).

O bullying pode se manifestar de diferentes formas: verbal, física, psicológica ou como cyberbullying. Todas essas ocorrências se mostram extremamente danosas às vítimas, com conseqüências tanto no presente quanto num futuro próximo.
Segundo NETO (2004), as vítimas tem medo de reagir às agressões  pois apresentam uma baixa auto-estima, enquanto o tempo e a regularidade das agressões contribuem muito para o agravamento dos efeitos. 
Convém destacar que muitos são os fatores que podem desencadear a prática do bullying, mas alguns fatores culturais podem auxiliar a compreender e a tomar consciência dessa prática. A cultura e a sociedade promulgam valores que se estabelecem como referência no contexto social. A cultura do individualismo, do prazer imediato  e do “ter”estão inseridas em nossa sociedade e assim acabam provocando um profundo abismo entre os seres humanos.
Nesses termos, cabe à escola propiciar ações que visem ao conhecimento do Bullying, seus efeitos e a conseqüente reflexão sobre essas questões como forma de combate e prevenção a qualquer tipo de violência e  à promoção da paz entre os sujeitos que convivem nesse espaço.



                                                                                                       



sábado, 10 de setembro de 2011

O gato é uma lição

                                                              
                                                                         
 Amo gatos e isso é notório. Nossa gata Mel nos deixou há quase três meses e a saudade ainda dói. Hoje, encontrei na net, esse texto do Arthur da Távola e não pude deixar de postá-lo. Sei que os gatos não são unanimidade, mas eles têm seus aficcionados. Sou uma delas.






                                                                             O gato é uma lição
                                                                                                               Arthur da Távola

"Bichos polêmicos sem o querer, porque sábios, mas inquietantes, talvez por isso...nada é mais incômodo que o silencioso bastar-se dos gatos. O só pedir a quem amam. O só amar a quem os merece.
O homem quer o bicho espojado, submisso, cheio de súplica, temor, reverência, obediência. O gato não satisfaz as necessidades doentias do amor. Só as saudáveis.
Lembrei, então, de dizer, dos gatos, o que a observação de alguns anos me deu.
Quem sabe, talvez, ocorra o milagre de iluminar um coração a eles fechado?
Quem sabe, entendendo-os melhor, estabelece-se um grau de compreensão, uma possibilidade de luz e vida onde há ódio e temor? Quem sabe São Francisco de Assis não está por trás do Mago Merlin, soprando-me o artigo?
Já viu gato amestrado, de chapeuzinho ridículo, obedecendo às ordens de um pilantra que vive às custas dele? Não! Até o bondoso elefante veste saiote e dança a valsa no circo. O leal cachorro no fundo compreende as agruras do dono e faz a gentileza de ganhar a vida por ele. O leão e o tigre se amesquinham na jaula.
Gato não. Ele só aceita uma relação de independência e afeto. E como não cede ao homem, mesmo quando dele dependente, é chamado de arrogante, egoísta, safado, espertalhão ou falso.
"Falso", porque não aceita a nossa falsidade com ele e só admite afeto com troca e respeito pela individualidade. O gato não gosta de alguém porque precisa gostar para se sentir melhor. Ele gosta pelo amor que lhe é próprio, que é dele e ele o dá se quiser.
O gato devolve ao homem a exata medida da relação que dele parte. Sábio e espelho. O gato é zen. O gato é Tao. Ele conhece o segredo da não-ação que não é inação. Nada pede a quem não o quer.
Exigente com quem ama, mas só depois de muito certificar-se. Não pede amor, mas se lhe dá, então ele exige.
Sim, o gato não pede amor. Nem depende dele. Mas, quando o sente é capaz de amar muito. Discretamente, porém sem derramar-se. O gato é um italiano educado na Inglaterra. Sente como um italiano mas se comporta como um lorde inglês.
Quem não se relaciona bem com o próprio inconsciente não transa o gato. Ele aparece, então, como ameaça, porque representa essa relação precária do homem com o (próprio) mistério. O gato não se relaciona com a aparência do homem. Ele vê além, por dentro e pelo avesso. Relaciona-se com a essência.
Se o gesto de carinho é medroso ou substitui inaceitáveis (mas existentes) impulsos secretos de agressão, o gato sabe. E se defende do afago. A relação dele é com o que está oculto, guardado e nem nós queremos, sabemos ou podemos ver. Por isso, quando surge nele um ato de entrega, de subida no colo ou manifestação de afeto, é algo muito verdadeiro, que não pode ser desdenhado. É um gesto de confiança que honra quem o recebe, pois significa um julgamento.
O homem não sabe ver o gato, mas o gato sabe ver o homem. Se há desarmonia real ou latente, o gato sente. Se há solidão, ele sabe e atenua como pode (ele que enfrenta a própria solidão de maneira muito mais valente que nós). Se há pessoas agressivas em torno ou carregadas de maus fluidos, ele se afasta.
Nada diz, não reclama. Afasta-se. Quem não o sabe "ler" pensa que "ele não está ali. Presente ou ausente, ele ensina e manifesta algo. Perto ou longe, olhando ou fingindo não ver, ele está comunicando códigos que nem sempre (ou quase nunca) sabemos traduzir.
O gato vê mais e vê dentro e além de nós. Relaciona-se com fluidos, auras, fantasmas amigos e opressores. O gato é médium, bruxo, alquimista e parapsicólogo. É uma chance de meditação permanente a nosso lado, a ensinar paciência, atenção, silêncio e mistério. O gato é um monge portátil à disposição de quem o saiba perceber.
Monge, sim, refinado, silencioso, meditativo e sábio monge, a nos devolver as perguntas medrosas esperando que encontremos o caminho na sua busca, em vez de o querer preparado, já conhecido e trilhado. O gato sempre responde com uma nova questão, remetendo-nos à pesquisa permanente do real, à busca incessante, à certeza de que cada segundo contém a possibilidade de criatividade e de novas inter-relações, infinitas, entre as coisas.
O gato é uma lição diária de afeto verdadeiro e fiel. Suas manifestações são íntimas e profundas. Exigem recolhimento, entrega, atenção. Desatentos não agradam os gatos. Bulhosos os irritam. Tudo o que precise de promoção ou explicação, quer afirmação. Vive do verdadeiro e não se ilude com aparências. Ninguém em toda natureza aprendeu a bastar-se (até na higiene) a si mesmo como o gato!
Lição de sono e de musculação, o gato nos ensina todas as posições de respiração ioga. Ensina a dormir com entrega total e diluição recuperante no Cosmos. Ensina a espreguiçar-se com a massagem mais completa em todos em todos os músculos, preparando-os para a ação imediata. Se os preparadores físicos aprendessem o aquecimento do gato, os jogadores reservas não levariam tanto tempo ( quase 15 minutos) se aquecendo para entrar em campo.
O gato sai do sono para o máximo de ação, tensão e elasticidade num segundo. Conhece o desempenho preciso e milimétrico de cada parte do seu corpo, a qual ama e preserva como a um templo.
Lição de saúde sexual e sensualidade. Lição de envolvimento amoroso com dedicação integral de vários dias. Lição de organização familiar e de definição de espaço próprio e território pessoal. Lição de anatomia, equilíbrio, desempenho muscular. Lição de salto. Lição de silêncio.Lição de descanso. Lição de introversão. Lição de contato com o mistério, com o escuro, com a sombra. Lição de religiosidade sem ícones.
Lição de alimentação e requinte. Lição de bom gosto e senso de oportunidade. Lição de vida, enfim, a mais completa, diária, silenciosa, educada, sem cobranças, sem veemências, sem exigências.
O gato é uma chance de interiorização e sabedoria posta pelo mistério à disposição do homem."

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Esse texto é uma reflexão, simplesmente, que faço como educadora, mas também como mãe. Ao realizar uma releitura, fiquei com a nítida e amarga impressão que o conceito de família, nem sempre é esse, visto que trabalho diariamente com realidades distintas e até antagônicas. UTOPIA. Tenho que confessar que sou uma idealista e que meus sonhos de adolescente(todo adolescente é egocêntrico e sonhava em mudar o mundo, hoje não mais) ainda persistem, cada vez que surge um novo desafio em meu trabalho. O idealista, ao sonhar e refletir, acaba plantando sementes...
                      E você, o que pensa disso?



O contexto familiar

Vivemos, hoje, em um mundo globalizado, onde tudo se transforma constantemente. A sociedade,vem sendo  permeada por constantes modificações, em todos os âmbitos:histórico, cultural, econômico e social, . A família, por sua vez, em decorrência disso, sofreu nas últimas décadas, significativas transformações quanto a sua função, a sua composição  e também em seu formato.
A família, historicamente, contribui para a reprodução biológica e social de nossa sociedade,  pois  em seu meio  sempre se inicia a educação dos filhos por meio da aquisição de valores e crenças que farão com que esse sujeito realize a sua leitura de mundo, de acordo com o que aprendeu entre os seus,  assim permitindo a perpetuação das normas vigentes na sociedade.
A globalização permite que em frações de  segundos, o planeta todo esteja conectado às mesmas notícias, reduzindo  tempo e distância,  ao mesmo tempo em que exige  que tudo seja realizado com urgência, pois numa sociedade capitalista, é preciso qualificação para poder sobreviver à concorrência  diária.  A ciência evoluiu e  trouxe um aumento significativo na expectativa de vida, o imediatismo  ditado pela mídia trouxe a busca pelo prazer imediato, o tempo dedicado às questões profissionais vem sendo cada vez maior e desse modo, percebe-se um novo redesenhar dos contornos familiares.
Nessa perspectiva, a partir da segunda  metade do século xx,  a família nuclear, composta por pai, mãe e filhos, hierárquica e centrada no poder do pai, começou a  sofrer transformações significativas e” já não é mais a realidade predominante no Brasil,” de acordo com a antropóloga Mirian Grossi.
 A alteração do  papel da mulher, na configuração familiar, foi determinante para que essas mudanças acontecessem. A mulher,  era a “rainha do lar”,  com sua existência dedicada exclusivamente a ser a mãe dedicada, extremosa, e a cuidar com zelo da casa, providenciando para que nada faltasse aos filhos ou ao marido, a quem devia obediência cega. Ser mulher, até aproximadamente o final dos anos 1960, significava identificar-se com a maternidade e a esfera privada do lar, sonhar com um “bom partido” para um casamento indissolúvel e afeiçoar-se a atividades leves e delicadas, que exigissem pouco esforço físico e mental (RAGO, 2004, p. 31).
  A partir de 1962, com o lançamento do Estatuto da mulher casada e com a  chamada "revolução sexual" dos anos sessenta, juntamente com o aparecimento da pílula anticoncepcional,houve a inserção gradativa da mulher no mercado de trabalho. Essas mudanças foram recebidas  com apreensão, na época, pois poderiam prenunciar o fim da família, dos costumes e da moral.
Nesse sentido, a mulher deixou de ser dependente economicamente do marido e, em conseqüência disso, mudanças sociais , econômicas e culturais ocorreram,  diminuindo a  taxa de natalidade, aumentando o número de separações e de famílias lideradas por mulheres.
A medida que tantas mudanças iam ocorrendo, o contexto social,histórico, também vai sofrendo alterações.  Desse modo, os adultos separados vão encontrando novos pares e assim começam a surgir novos arranjos familiares, tais como famílias alternativas, famílias mono parentais, famílias gays, famílias mosaicos,  com pais, madrastas, mães, padrastos e irmãos  consangüíneos ou não, muitas vezes, filhos de relações diferentes,  todos coabitando o mesmo espaço.
Assim, todas essas transformações aliadas à tecnologia da medicina, das novidades da estética e  a moda defendida  pela mídia, colocam a juventude no topo dos desejos. Ser jovem  é ter o poder numa sociedade em que as notícias da semana passada são obsoletas. Essa geração de pais, portanto, não querendo amadurecer, busca contrariar a educação rígida a que foi submetida , resultando em adultos desnorteados, sem exercer sua função de impor limites a seus filhos.
Nesse sentido, atualmente, a maioria das famílias vive num mesmo espaço, porém convive  pouco,  pois os pais estão trabalhando cada vez mais , visto que a sociedade de consumo exige jornadas intermináveis, enquanto a rotina dos filhos segue quase o mesmo ritmo, em função do preparo exigido para a concorrência futura, no mercado de trabalho. Esse estilo de vida vem resultando em filhos que em vez de amor, recebem recompensas materiais  e  acabam dando mais valor ao aspecto material que ao  interior  das pessoas.  Isso acaba contribuindo para o aumento crescente de crianças e jovens que exigem que os pais só realizem aquilo que for consentido por eles, pois os pais têm medo de não conquistar o amor dos filhos, em serem rejeitados por estes.  O abandono e a conseqüente falta de educação, de limites do que é certo ou errado , acontecem quando os adultos  responsáveis  “não bancam a sua diferença diante dos filhos”, não agindo como “o adulto da relação”.
Nessa perspectiva, esses aspectos  que acabaram por alterar a concepção de família,  também modificaram as relações institucionais da educação formal e exigiram novos olhares e a busca de novos paradigmas na escola.  Hoje, o professor não é mais visto com o mesmo prestígio de outrora, pois o aluno vem para a escola com outra perspectiva ,  gerada  pela  vivência familiar e social.
Segundo Melman (2008), a partir disso, os consultórios estão abarrotados pois “muitos jovens buscam a psicanálise, hoje, para descobrirem o que realmente desejam, nossos filhos estão  sendo criados em condições que promovem a busca rápida pelo prazer máximo e sem obrigações.”
Desse modo, os limites estabelecidos pela escola, geralmente são motivos de conflitos entre alunos, educadores e pais, quando esta mesma escola,  procura exercer o papel  que deveria ser destes. Contudo, não se pode dizer que isso acontece em função das ditas modificações estruturais nos moldes da família, mas por essa geração de pais que não conseguem assumir os encargos pertinentes  à paternidade
A mudança dos costumes, da moral e da visão do sexo associada à vertiginosa evolução tecnológica e científica, modificou  enormemente as representações sociais da família. Sexo, casamento e reprodução, bases da organização  da família, se desatrelaram definitivamente. Não é mais necessário sexo para haver reprodução, e o casamento há muito tempo não é mais o legitimador da sexualidade. Sexo pode ser só pelo prazer, ainda que algumas religiões não admitam e continuem com um discurso hipócrita e na contramão da história.
          Assim, a família deixou de ser, essencialmente, um núcleo econômico e de reprodução. Hoje, ela está muito mais para um espaço do amor, do companheirismo, da solidariedade e do afeto. Um local destinado para a construção do sujeito e de sua dignidade.  A  família foi, é e continuará sendo o núcleo básico de qualquer sociedade. Por mais que se tenha diferentes formas de constituição das famílias, por mais que estejam presentes os interesses de mercado, da sociedade midiática e por mais variadas que sejam as formas de manifestação da sexualidade, em sua essência está um espaço propício para formar sujeitos através da troca constante de amor e afetos, pois essa é uma busca contínua e inerente ao ser humano.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Quintana...poesia pra alimentar a alma.

Quintana é meu poeta preferido. Eis ai:

                      

                                Dedicatória

Quem foi que disse que eu escrevo para as elites?
Quem foi que disse que eu escrevo para o bas-fond?
Eu escrevo para a Maria de Todo o Dia.
Eu escrevo para o João Cara de Pão.
Para você, que está com este jornal na mão...
E de súbito descobre que a única novidade é a poesia,
O resto não passa de crônica policial - social - política.
E os jornais sempre proclamam que "a situação é crítica"!
Mas eu escrevo é para o João e a Maria,
Que quase sempre estão em situação crítica!
E por isso as minhas palavras são quotidianas como o pão nosso de cada dia.
E a minha poesia é natural e simples como a água bebida na concha da mão.
in: A Cor do Invisível

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

                                                    


                                           Pequenos massacres de todo dia...



Após o post "Repensagens",  no qual falo sobre o preconceito, delineando o bullying, o papel da escola e dos cidadãos para tentar reverter esse quadro dolorido, triste e hostil que encontramos em nossa sociedade, trago um texto da escritora Eliane Brum. Particularmente, não considero obra do acaso, quando a partir de um twit do jornalista Marcos Rolim, entrei num link que levou-me ao texto que posto aqui.  Trata-se de um texto que consegue nos transportar ao centro do problema que queremos trazer a tona , com o objetivo de refletir sobre essa realidade.  Com maestria, a escritora nos mostra uma situação cotidiana( infelizmente) desnudada e o seu reverso. Leia, e depois reflita comigo, através de um comentário.
O texto foi retirado da revista ÉPOCA, produzido pela  escritora ELIANE BRUM.
bjos e boa leitura.


                                               NA PELE DO OUTRO
                                                                                         
                                                                                                              ELIANE BRUM  (Revista Época)
                                                                                                                   17 janeiro de 2011




O cotidiano parece se repetir conforme o previsto até que você é empalado por uma cena. Eu saía da loja de um shopping de São Paulo, na tarde de sábado, quando ele passou por mim. Não sei se era a forma como o ar se deslocava de outro jeito ao redor dele, mas eu ainda não o tinha visto e minhas mãos já se estendiam no ar para ampará-lo. Ou talvez fosse só impressão minha, uma vontade estancada antes do movimento. Era um homem velho. Mas mais do que velho, era um homem doente. Cada um dos seus passos se dava por uma coragem tão grande, porque até o pé aterrissar no chão me parecia que ele podia retroceder ou cair. Mas ele avançava. E porque ele avançava na minha frente eu pude ver aquilo que outras partes de mim já haviam percebido antes. Sobre a sua cabeça havia uma peruca tão falsa que servia apenas para revelar aquilo que ele pretendia esconder. E de uma cor tão diferente do seu cabelo branco que parecia descuido de quem o amava ou não amava. Aquilo doía porque havia uma vaidade nele, a preocupação de ocultar a nudez da cabeça. E a peruca mal feita a expunha como um fracasso. A cada um de seus passos de epopeia sua camisa subia revelando um largo pedaço da fralda geriátrica. E assim ele avançava como uma denúncia claudicante da fragilidade de todos nós. Atravessando o corredor do shopping, lugar onde fingimos poder comprar tudo o que nos falta, consumidos pelo medo dessa vida que já começa nos garantindo apenas o fim.
Eu o seguia nesse balé sem coreografia quando ouvi os risinhos. Olhei ao redor e vi as pessoas se cutucando. Olha lá. Olha lá que engraçado. Ele tinha virado piada. Aquele homem desconhecido deixara a sua casa e atravessava o shopping. Para isso empreendera seus melhores esforços. Tinha vestido a peruca para que não percebessem sua calvície. Tinha colocado a fralda para não se urinar no meio do corredor. E caminhava podendo cair a cada passo. E as pessoas ao seu redor riam. E por um momento temi uma cena de filme, quando de repente todos começam a gargalhar e há apenas o homem em silêncio. O homem que não compreende. Até enxergar seu reflexo no olhar que o outro lhe devolve e ser aniquilado porque tudo o que veem nele não é um homem tentando viver, mas uma chance de garantir sua superioridade e sua diferença.
Quando entrevisto algum escritor costumo perguntar: por que você escreve? Alguns me respondem que escrevem para não matar. Eu também escrevo para não matar. Acho que na maior parte das vezes a gente escreve, pinta, cozinha, compõe, costura, cria, enfim, porque não sabe o que fazer com as pessoas que riem enquanto alguém tenta atravessar o corredor do shopping sem ter forças para atravessar o corredor do shopping.
O que me horroriza, mais do que os grandes massacres estampados no noticiário, são essas pequenas maldades do cotidiano. E só consigo compreender os grandes massacres a partir dos pequenos massacres de todo dia. Os risinhos e dedos que apontam, os cotovelos que se cutucam.
Quem pratica os massacres miúdos do dia a dia é gente que se acha do bem, que não cometeu nenhum delito, que vai trabalhar de manhã e dá presente de Natal. Gente com quem você pode conversar sobre o tempo enquanto espera o ônibus, que trabalha ao seu lado ou bem perto de você, e às vezes até lhe empresta o creme dental no banheiro. É destes que eu tenho mais medo, é com estes que eu não sei lidar.
Entrevistei muitos assassinos sem sobressalto, porque estava tudo ali, explícito. Era uma quebra. O que me parece mais difícil é lidar com o mal rotineiro e persistente, difícil de combater porque camuflado. O mal praticado com afinco pelos pequenos assassinos do cotidiano que nenhuma lei enquadra. E quando você os confronta, esboçam uma cara de espanto.
O pequeno mal está por toda parte. Possivelmente sempre esteve. Apenas que cada época tem suas peculiaridades. E na nossa somos cegados o tempo inteiro por imagens que nos chegam por telas de todos os tamanhos. E cada vez mais escolhemos as cenas que veremos, com quais nosso cérebro decidirá se comover. E as dividimos com os amigos no twitter, enviamos por email e parece até que há uma competição sobre quem consegue enviar mais rápido as imagens mais impactantes. Mas não sei se isso é ver. Não sei se isso nos coloca em contato de verdade.
Penso nisso porque acho que o mundo seria melhor – e a vida doeria um pouco menos – se cada um se esforçasse para vestir a pele do outro antes de rir, apontar e cutucar o colega para que não perca a chance de desprezar um outro, em geral mais vulnerável. Antes de julgar e de condenar. Antes de se achar melhor, mais esperto e mais inteligente. Vestir a pele do outro no minuto anterior ao salto na jugular.
Para mim é imediato me colocar na pele do homem que atravessa o corredor sem saber se vai chegar até o fim sem tombar. Mas é mais difícil me enfiar na pele das pessoas que riem, porque sinto raiva. E tenho a pretensão de não ter nada a ver com gente assim. Incorro então no mesmo erro, ao me pretender tão diferente daquele que me horroriza. É certo então que também eu cometi e cometo meus pecados de soberba. Por coerência – e eu valorizo a coerência - preciso me forçar. E eu me forço porque acredito nesse ato.
Quais são as razões delas, então? Por que ao testemunhar o homem que atravessa o shopping em passos trôpegos elas riem, se cutucam e apontam? Fiquei pensando se estas pessoas estão tão cegas pela avalanche de cenas em tempo real que para elas é apenas uma imagem da qual podem se descolar. É só mais uma cena que, como tantas a que assistimos todos os dias, não sabemos mais se é realidade ou ficção. Não é que não sabemos, apenas que parece que não importa, agora que os limites estão distendidos. Por que apenas assistimos às cenas – não as vemos nem entramos em contato.
E é esta a grande diferença num mundo de tanta visibilidade e tão pouco contato real. E o real aqui não é uma oposição entre o real e o virtual, mas o real real. Eu vejo você, eu toco em você, eu sinto a sua dor e me sujo com o seu sangue, ainda que seja pelo computador. É um jeito de estar no mundo e se relacionar com o outro disposto a se deixar tocar e a assumir os riscos de se deixar tocar. Me parece que estamos cada vez menos dispostos a isso – apesar de termos uma possibilidade grandiosa de acesso ao outro por conta da internet. Será que é isso? Dezenas de amigos no facebook e nenhum contato real, no sentido de se deixar transtornar e transformar pelo outro, para além das amenidades e da persistente troca de informações?
Será que era por isso que podiam rir? Por que não tinham nenhuma conexão com aquele outro ser humano? É curioso que agora o verbo conectar é mais usado para nos ligarmos a uma máquina que nos leva instantaneamente para a vida dos outros. Pela primeira vez somos capazes de nos conectar ao mundo inteiro. O que é mais fácil do que se conectar a uma só pessoa - ao homem doente que atravessa o corredor do shopping diante de nós. É curioso como agora podemos nos conectar – para nos desconectarmos.
E se, ao contrário, riam porque se sentiam tão conectadas a ele que precisavam rir para suportar? Pensei então que talvez pudesse ser esta a razão. Aquelas pessoas realmente enxergavam aquele homem – e por enxergar é que precisavam rir, se cutucar e apontar. Porque a fragilidade dele também é a delas, a de cada um de nós.
Nada nos garante que em algum momento da vida não estaremos nós também tentando atravessar o corredor do shopping por onde hoje caminhamos sem sentir. Nada nos assegura de que um dia não seremos nós a quase cair a cada passo. Se tivermos sorte e não morrermos de bala perdida ou de chuva, como afirmar que não usaremos fralda geriátrica ou tentaremos cobrir nossa calvície ou as marcas de uma quimioterapia com uma peruca que apenas denuncia aquilo que queríamos esconder?
Talvez seja esta a razão, pensei. Essas pessoas precisaram rir, cutucar e apontar para ter a certeza – momentânea e ilusória – de que ele não era elas. Não seria nunca. Só apontamos para o outro, para o diferente, para aquele que não somos nós. E quando apontamos para alguém é justamente para denunciar que ela não é como nós.
Neste caso, teria sido para se certificar. Elas diziam: Olha que peruca ridícula. Ou: Você viu que ele está de fralda? Mas na verdade estavam dizendo: O que acontece com ele nunca acontecerá comigo. Ou: Ele não tem nada a ver comigo. Por que deixam gente assim entrar num shopping?
Riam, cutucavam e apontavam por medo do que viam nele – de si mesmas.
São hipóteses, apenas. Uma tentativa de entender – de pensar e escrever em vez de responder com violência à violência que presenciei. E que me aniquila tanto quanto um massacre reconhecido no noticiário como massacre.
Talvez não seja nada disso. No Natal minha filha me deu de presente uma camiseta em que a Mafalda, a personagem do cartunista argentino Quino, dizia: “E não é que neste mundo tem cada vez mais gente e cada vez menos pessoas?”. Talvez ali, no corredor do shopping, não fossem pessoas – só gente. Porque nascemos gente – mas só nos tornamos pessoas se fizermos o movimento.



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