sábado, 22 de setembro de 2012

Primavera com Tim Maia e Cecília Meireles


Primavera

Cecília Meireles

A primavera chegará, mesmo que ninguém mais saiba seu nome, nem acredite no calendário, nem possua jardim para recebê-la. A inclinação do sol vai marcando outras sombras; e os habitantes da mata, essas criaturas naturais que ainda circulam pelo ar e pelo chão, começam a preparar sua vida para a primavera que chega.

Finos clarins que não ouvimos devem soar por dentro da terra, nesse mundo confidencial das raízes, — e arautos sutis acordarão as cores e os perfumes e a alegria de nascer, no espírito das flores.

Há bosques de rododendros que eram verdes e já estão todos cor-de-rosa, como os palácios de Jeipur. Vozes novas de passarinhos começam a ensaiar as árias tradicionais de sua nação. Pequenas borboletas brancas e amarelas apressam-se pelos ares, — e certamente conversam: mas tão baixinho que não se entende.

Oh! Primaveras distantes, depois do branco e deserto inverno, quando as amendoeiras inauguram suas flores, alegremente, e todos os olhos procuram pelo céu o primeiro raio de sol.

Esta é uma primavera diferente, com as matas intactas, as árvores cobertas de folhas, — e só os poetas, entre os humanos, sabem que uma Deusa chega, coroada de flores, com vestidos bordados de flores, com os braços carregados de flores, e vem dançar neste mundo cálido, de incessante luz.

Mas é certo que a primavera chega. É certo que a vida não se esquece, e a terra maternalmente se enfeita para as festas da sua perpetuação.

Algum dia, talvez, nada mais vai ser assim. Algum dia, talvez, os homens terão a primavera que desejarem, no momento que quiserem, independentes deste ritmo, desta ordem, deste movimento do céu. E os pássaros serão outros, com outros cantos e outros hábitos, — e os ouvidos que por acaso os ouvirem não terão nada mais com tudo aquilo que, outrora se entendeu e amou.

Enquanto há primavera, esta primavera natural, prestemos atenção ao sussurro dos passarinhos novos, que dão beijinhos para o ar azul. Escutemos estas vozes que andam nas árvores, caminhemos por estas estradas que ainda conservam seus sentimentos antigos: lentamente estão sendo tecidos os manacás roxos e brancos; e a eufórbia se vai tornando pulquérrima, em cada coroa vermelha que desdobra. Os casulos brancos das gardênias ainda estão sendo enrolados em redor do perfume. E flores agrestes acordam com suas roupas de chita multicor.

Tudo isto para brilhar um instante, apenas, para ser lançado ao vento, — por fidelidade à obscura semente, ao que vem, na rotação da eternidade. Saudemos a primavera, dona da vida — e efêmera.

Texto extraído do livro "Cecília Meireles - Obra em Prosa - Volume 1
", Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 1998, pág. 366.






Este vídeo saúda a primavera, que chega e enche nossos olhos de beleza e nos brinda com o timbre imortal do Tim Maia. Tim, uma voz que me encanta a cada vez que ouço. Espero que tenha esse efeito em vocês, também. Abraço.

domingo, 17 de junho de 2012


                           Legião, eterna... 

Na noite de 29 de maio, em torno de  6ooo pessoas cantaram juntas as músicas da extinta Banda Legião Urbana, num show Tributo ao inesquecível Renato Russo, transmitido ao vivo pela MTV. Wagner Moura foi escolhido para interpretar as canções da banda, “substituindo”  Renato em seu posto sagrado, e acompanhado  por Dado-Villalobos, Marcelo Bonfá e pelas vozes das milhares de pessoas que lotaram o Espaço das Américas, em São Paulo, na terça-feira, na primeira das duas noites do tributo.
O consagrado ator Wagner mostrou um lado cantor, muitas vezes sofrível, mas com muita emoção, de um fã do Renato, teve uma performance capaz de sacudir, não só o público presente, mas o Brasil todo, que assistiu o show ao vivo. Tornou-se impossível não voltar no tempo e cantar com eles as músicas, cujas letras toda uma geração (arrisco dizer que várias gerações) sabe de cor.
Surpreendeu-me a coragem do ator em assumir a responsabilidade de interpretar as canções do Renato, que com sua voz forte e inconfundível levou alegria e trouxe emoção, com letras que são verdadeiras joias, a multidões,  que embevecidas, não conseguem escutá-las sem cantarolar junto, mesmo vários anos depois. No entanto, a paixão que o ator colocou na interpretação, foi o diferencial, que fez com que um país todo cantasse junto com ele, mesmo com alguns “assassinatos” (opinião minha) às canções da Legião. Como acredito fortemente que não se consegue fazer nada ser bom, sem colocar paixão, ou fazendo “mais ou menos”, penso que se outro tivesse sido escolhido para essa missão, um cantor talvez, não tivesse tanto retorno do público.


 
Renato foi e será sempre o Renato porque tinha uma alma apaixonada, um poeta cujas letras reverenciavam a vida, as alegrias, as dores, a natureza, os sentimentos inerentes ao ser humano, e por isso conseguiu trazer a tona a emoção das pessoas e isso o tornou especial, num mundo tão frio, materialista e insensível. Renato colocava poesia no que escrevia,  da mesma forma que Cazuza, embora ambos fossem extremamente diferentes. Se pararmos para analisar, era um poeta-cantor e competente além da conta, em ambas as funções, além de um carisma arrebatador com seu público. Isso o tornou inesquecível.

            A letra de “Será”, por exemplo,  exige  que se releia e reflita acerca do que ele está pensando, bem diferente do”Ai se eu te pego”, entre outras que nem sei citar agora,que é hit da nossa juventude, hoje. Não se trata de uma crítica pura, mas de constatação sobre os sons de hoje.
Nos perderemos entre monstros
Da nossa própria criação?
Serão noites inteiras
Talvez por medo da escuridão
Ficaremos acordados
Imaginando alguma solução
Pra que esse nosso egoísmo
Não destrua nossos corações”
 Além disso, suas letras contestavam um sistema manipulador, concentrador de riquezas e privilégios a alguns, o que tornam suas letras atuais, até hoje.

Legião Urbana despertou muitas paixões, não somente nos adultos e jovens de sua época, e eu torço para que a juventude atual conheça mais essa banda que comparava a morte a uma Via-Láctea, símbolo do infinito, mas que com certeza, queria mostrar que infinita é a vida e a capacidade de encontrar alegria e prazer, até no inusitado.
A banda Legião Urbana acabou, mas com certeza, marcou e representou o retrato daquela juventude que ainda sabia sonhar. 

 

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